Cacau – um commodity baiano alcança o mundo
O cacau teve uma participação importante na economia do Brasil, e em especial no sul da Bahia, em meados do século XIX e início do século XX, pela grande produção do ouro da Bahia em suas árvores transplantadas do Pará. A figura dos coronéis do cacau ganhou espaço pela riqueza ostentada, poder político e fama transcritos pelos romances de Jorge Amado. Ocuparam telas de cinema, novelas nos horários nobres da televisão, além de livros de grande tiragem nas livrarias nacionais. Gabriela, Cravo e Canela, Dona Flor e seus dois maridos, Tieta do Agreste, Terras do Sem-Fim; entre outros fatos pitorescos os problemas de relacionamento de Gabriela, Nacib (o turco), e seu Mundinho; as discussões sociais próprias de uma cidade do interior do Brasil; a força dos coronéis do cacau dominando a política local; a relação entre o progresso e o atraso; a ascensão dos exportadores frente a decadência dos coronéis do cacau; os choques sociais forçando a modernização pelos novos tempos face a multiplicação dos negócios capitalistas em detrimento da economia agrária.
Arquivo pessoal
Ilhéus encanta pelas histórias e estórias contadas pelos seus habitantes sobre personagens que parecem estar vivos até hoje, sobre o rio Almada, seu porto e armazéns de exportação das amêndoas de cacau, os hábitos e costumes de seu povo simples e pitoresco, suas ruas estreitas, suas igrejas e prédios centenários (gravados com data de sua inauguração em sua fachada) que nos remetem ao passado.
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Nesse mês de outubro de 2021 me oportunizei conhecer a outrora opulenta Ilhéus, dentro de uma nova realidade. As várias igrejas, berço da colonização das vilas brasileiras, muito bem conservadas, os palacetes/residência dos coronéis (destaco a de Misael Tavares, durante algum tempo considerado o cidadão mais rico do Brasil), o Palácio Paranaguá (hoje museu), o cemitério municipal no alto da cidade, com alguns jazigos em mármore Carrara vindos da Itália (um deles de Misael Tavares). No Centro histórico da cidade adentrei ao Bataclan (agora sem as dançarinas francesas), o seleto local de diversão dos coronéis, onde visitei o quarto decorado de Maria Machadão, o bar Vesúvio (famoso pelos encontros da política local), a Casa de Jorge Amado, a indicação de antigas fazendas produtoras das amêndoas do cacau (hoje abandonadas em sua maioria) – passeei gostosamente na história regional, vivi três dias de “coronel do cacau”. Uma agradável surpresa marca um trabalho de recuperação da imagem regional com muitos descendentes dos antigos coronéis tomando a frente de investimentos no turismo, recuperação do plantio e produção de chocolates artesanais na própria fazenda.
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Ilhéus ainda é deslumbrante, não só pelo que representou em seu rico passado, mas também pelas belas praias, pelo seu acervo cultural, e pelo seu povo simpaticamente acolhedor.
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Cacau – seu papel na história da humanidade.
O cacau é a matéria-prima de um dos alimentos mais apreciados no mundo. Rico em carboidrato, o chocolate é uma importante fonte de energia, além de vitaminas do complexo B e minerais, tais como magnésio e potássio. Os europeus consomem cerca de 8 a 10 Kg per capita por ano de chocolate com alto teor de cacau, enquanto o brasileiro consome cerca de 2,6 kg por pessoa/ano.
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Consumido no México na forma líquida desde os tempos imemoriais, o chocolate foi levado à Europa pelos espanhóis como produto do Novo Mundo. Em 1660 saiu da Espanha e tornou-se moda na corte francesa, bebido como café ou chá. Em meados do século XIX surgem as barras de chocolate com companhias do setor de alimentação, Hershey’s nos EUA e as suíças Nestlé e Lindt.
Origem
O cacaueiro é uma espécie nativa das florestas tropicais do continente americano. Para os astecas era uma árvore sagrada, presente divino enviado à sua civilização. Com as amêndoas produziam uma espécie rústica de chocolate – alimento que impressionou os colonizadores espanhóis pelo seu alto teor energético. Guerreiros astecas atravessavam dias sustentando-se apenas com as amêndoas daquele fruto, por isso batizado “manjar dos deuses”.
No Brasil, o berço do cacau foi a região amazônica (pelas altas temperaturas e chuvas abundantes). Em meados do século XVIII foram introduzidas as primeiras sementes no sul da Bahia, provenientes do Pará, para mudar a história da região. A planta encontrou clima quente e úmido e o sombreamento de árvores de maior estatura para sua plena adaptação. A mata nativa da Mata Atlântica, cabrucada servia de proteção para o plantio dos cacaueiros. Não havia uma economia desenvolvida na região. No século 19 houve um grande fluxo de pessoas para região devido a uma seca muito forte nos sertões da Bahia e Sergipe. A cultura do cacau não necessita de grandes glebas, em pequenas áreas já se tem uma grande produtividade e uma boa rentabilidade.
A partir de 1860, o cacau se converteu em objeto de desejo de fábricas de chocolate da Europa e dos EUA. Praticamente toda a safra era exportada. O Brasil ocupou o posto de maior produtor mundial até meados da década de 1920.
Coronéis do cacau – nesse período os coronéis (descendentes daqueles primeiros humildes desbravadores) não mediam esforços e nem violência para expandir seus negócios mediante a apropriação de plantações pertencentes a agricultores menos abastados. O coronel mais forte era o que produzia mais (não se comprava terra, mas pés de cacau) – “ativos participantes da vida social, líderes legitimados pelo voto, quase sempre conquistado pela força do dinheiro, das armas e controle das instâncias públicas (a justiça e a polícia); sinônimo de prosperidade, seus palacetes eram sobrados faustosos mobiliados com requintes europeus, viviam no mais elevado estilo”. Sabe-se que graças aos coronéis, no auge da lavoura do cacau o sul da Bahia chegou a ser responsável por 40% da atividade financeira do Estado. Em Ilhéus, Misael Tavares foi o mais poderoso dos coronéis; José Firmino Alves, Henrique Alves dos Reis e Paulino Vieira, coronéis que também marcaram época.
A fama de Ilhéus e Itabuna correu mundo. Junto com ela chegaram imigrantes estrangeiros, principalmente comerciantes sírio/libaneses (chamados turcos). Os navios aportavam trazendo aventureiros atrás de riqueza fácil.
O crack da bolsa de Nova York, em 1929, representou o primeiro grande golpe na economia agroexportadora da Bahia. Os problemas internos dos Estados Unidos (o maior importador das amêndoas brasileiras) interromperam esse ciclo virtuoso da exportação do cacau. Para socorrer os cacauicultores nacionais, dois anos após o crack da bolsa americana, o governo brasileiro autorizou a criar o Instituto de Cacau do Brasil, que ajudava no financiamento e na comercialização das safras pós crise americana.
Quase trinta anos depois, uma nova queda brusca na cotação, motivada pela grande produção internacional do fruto de ouro da Bahia, provocou a segunda crise no setor. Nova participação do governo federal com a criação da Ceplac – sua missão alongar e repactuar as dívidas dos produtores.
Crises posteriores levaram a cultura do cacau ao fundo do poço. O preço da tonelada, que chegou a ser negociada a US$ 4 mil no final dos anos 1970, na primeira metade dos anos 90 chegou a ser comercializada a US$ 800, descapitalizando totalmente os cacauicultores. Concomitante à essa forte retração econômica, vindo do Norte do Brasil chega às plantações de Uruçuca um fungo altamente devastador – vassoura de bruxa, doença endêmica na região amazônica. Até hoje há boatos ter sido criminosa essa disseminação do fungo. O preço dos imóveis rurais despencou na região cacaueira do sul da Bahia.
Com o investimento na técnica de clonagem (enxertia de hastes de árvores resistentes à doença em plantas vulneráveis ao ataque do fungo) a esperança de recuperação na lavoura do cacau começa a ganhar corpo. A lavoura do cacau perdeu sua importância econômica, mas ela tem um papel muito relevante para a geração de emprego e para a preservação da Mata Atlântica.
A Ceplac – Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira, no Pará, pesquisou e selecionou sementes híbridas de seus germoplasmas, mais resistentes a pragas e doenças, que são até três vezes mais produtivas. Essas plantas podem chegar a produzir até três mil quilos por hectare.
Com produção estimada em 250 mil toneladas, o Brasil é no ano de 2021 o 7º maior produtor de cacau do mundo (IBGE). Pará e Bahia são os Estados brasileiros que lideram o ranking de produção da amêndoa, com 128,9 mil toneladas por ano e 113 mil toneladas por ano respectivamente.
Evolução da produção e consumo mundial do cacau
Ano | Produção mundial (toneladas) | Consumo mundial (toneladas) |
1895 | 76.933 | 73.000 |
1905 | 144.000 | 143.000 |
1910 | 218.000 | 203.000 |
1915 | 294.000 | 313.000 |
1920 | 373.000 | 376.000 |
1925 | 497.000 | 484.000 |
1930 | 525.000 | 533.000 |
1935 | 674.000 | 652.000 |
2019 | 4.730.000 | 4.670.000 |
2020 | 4.840.000 | 4.690.000 |
Sos maiores produtores mundiais desse commodity na atualidade – Costa do Marfim e Gana.
Cacau em novo cenário na Bahia – a estrada do chocolate proporciona um passeio na cultura histórica do cacau, negócios sustentáveis a partir dos produtos e subprodutos do fruto do cacau em um meio ambiente preservado e conservado da Mata Atlântica, Ilhéus-Uruçuca. São 42 km de história da produção dessa rica lavoura – onde se oportuniza visitas a um cacaueiro, rituais da sua produção, experimentação de frutos, convivência pacífica entre trabalhadores rurais e donos da terra, conhecimentos da história por meio de museus e da culinária regional, as técnicas de transformação da amêndoa em chocolates finos gourmet, desfrutar da beleza da Mata Atlântica preservada a partir da própria cultura da lavoura cacaueira, que ao longo dos séculos garantiu a conservação de uma elevada biodiversidade no entorno das propriedades. Uma nova realidade econômica regional com investimentos em fábricas de produção de chocolates artesanais, que vieram a ser acrescentadas às tradicionais exportações para a indústria do chocolate, nacional e internacional.
Edson Silva
Eduardo Lysias de Oliveira e Silva
Referencial bibliográfico
https://reporterbrasil.org.br/2005/05/a-saga-do-cacau-na-bahia/
http://cinzasdiamantes.blogspot.com/2010/05/na-ponta-da-lingua_29.html